Analisando o JBS Day com investidores

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Por Miguel da Rocha Cavalcanti, BeefPoint



Participei há alguns dias de um evento do JBS de relacionamento com investidores em São Paulo, SP. A empresa reuniu numa manhã seus principais diretores, de unidades de todo o mundo, para apresentar sua estratégia, números e responder a perguntas dos presentes. Todo o alto escalão da empresa no mundo estava presente e isso impressiona positivamente. Apresento aqui minha análise do que ouvi e minhas percepções sobre o mercado e a empresa.

O cenário mundial de longo prazo para o JBS é excelente. O mundo vai comer mais e mais carnes: bovina, suína, de aves e inclusive carne ovina. O crescimento da população, da renda per capita e percentual da população que vive nas cidades são três fortes direcionadores de demanda para os próximos anos. Isso não há dúvida. Já sendo a maior empresa do mundo de carnes, há um potencial muito grande a ser explorado.

A estratégia da empresa de longo prazo também faz muito sentido. Operação com escala global num mercado de margens apertadas é muito interessante. O fato do JBS ter hoje produção de carnes nos principais países produtores e ter estrutura de venda e distribuição nos principais mercados consumidores é uma força muito grande. Integrar tudo isso tem um grande potencial de receita e lucros.

A pirâmide da estratégia que apresentam em todas as reuniões há vários anos faz muito sentido para mim: operação enxuta, ganhos de produtividade e escala, plataforma global de produção, plataforma global de vendas e distribuição. E no futuro marcas e produtos de maior valor agregado.

Além disso, em muitos aspectos, a empresa é uma grande vencedora no mercado de carnes. Foi a primeira a se profissionalizar, organizando seus números e se preparando para receber investimentos e abrir capital. Acertou no tempo, e isso ajudou muito. Outras empresas que fizeram processo idêntico, mas demoraram um pouco mais, perderam uma janela de oportunidade do mercado que dificilmente voltará. A empresa cresceu e muito, e ocupou um espaço vazio, e que é difícil de ser desbancado.

Outro fator interessante do JBS é que ele se tornou uma espécie de Geni (da famosa música de Chico Buarque) do setor. Por ser um gigante e com passos controversos muitas vezes, chama muita atenção, atrai críticas de todos os lados e coleciona uma série de inimigos (ou pelo menos de implicantes). É fácil se colocar hoje como um "inimigo" do JBS. É apontado como causador de problemas ambientais e sociais (como a recente acusação no estado do Acre), como causa (indireta) dos problemas financeiros dos pequenos e médios frigoríficos. E a lista por aí vai.

Coloco isso pois é importante entender que a questão é também emocional e não apenas técnica/racional em muitos momentos. Tem muita gente que por princípio é contra e já a considera culpada. Ler os comentários aqui no BeefPoint sobre a empresa é um exercício interessante desse processo. Há comentários e críticas embasadas, no meio de um grande número de comentários apaixonados. Essa relação emocionada dificulta uma análise crítica e inteligente.

Fora essa questão de relacionamento, qual minha visão da situação atual do JBS?

O JBS foca muito pouco, hoje, em carnes de alta qualidade e com marca aqui no Brasil. Esse é um mercado crescente e a empresa tem uma experiência muito grande com isso nos EUA. Outro ponto fraco é o relacionamento com pecuaristas. Conheço bons pecuaristas que não gostam de vender para o JBS, consideram a empresa difícil ou ruim de se negociar. Há gente que fala que só vende para a empresa por falta de opção ou para minimizar riscos, mas comenta que os melhores lotes não vão para lá. Vendem, mas não a cabeceira. Esses dois fatores (carne de qualidade e relacionamento com fornecedores) serão fundamentais daqui em diante, visto que o mercado de produtos premium cresce e que é fundamental ter um ótimo relacionamento com os melhores pecuaristas para comprar gado bom num mercado enxuto. Parece que em muitos casos, a opção é focar na produção de gado próprio, via confinamentos, e dedicar menos atenção a cultivar o interesse dos pecuaristas.

A empresa também não fala muito sobre o que não dá muito certo. No ano passado lançou um projeto inovador e ousado de venda de carne porta-a-porta usando vans. A ideia era potencialmente interessante pois há uma margem muito grande entre o preço que o frigorífico vende no atacado e o preço que o consumidor final paga. Era muito arriscada pois batia de frente com o grande varejo e também com o pequeno varejo e açougue, ou seja, de fornecedor de carne aos açougues, estava se tornando um concorrente. Eram 400 em operação no ano passado, segundo declaração da empresa no workshop BeefPoint sobre mercado que fizemos em maio/2010.

Na seção de perguntas do JBS Day, indaguei sobre como estavam as vans, que ninguém mais falava nelas. A resposta foi um pouco vaga, dizendo que estão reformulando o conceito e que vão vender produtos mais elaborados, de maior valor. O recado que ficou para mim, e acho que para os demais, é que não deu certo e foi descontinuado, mas sem grandes explicações. A falta de explicações quando as coisas não saem como esperado e divulgado, diminui a confiança do mercado.

Outro projeto inovador e ousado foi a mudança da equipe de compradores de gado para abate. Tradicionalmente os frigoríficos têm alguns poucos compradores em cada planta, que recebem salários altos e que têm um ótimo relacionamento com produtores da região. Ou seja, um sistema bem antigo, com os negócios nas mãos de pouca gente. O JBS optou por fazer um troca arriscada nessa ponta da operação. Contratou um grande número de funcionários juniores ou com pouca experiência para fazer esse trabalho que era concentrado na mão de poucos e tradicionais compradores.

A ideia era que esse novo "exército" de compradores iria comprar de muitos pequenos produtores, com preços muito mais baixo que dos grandes, além de fazer negócios intermediados pelo Banco JBS, como financiamento, venda de insumos, etc. Tudo indica que esse projeto não está dando certo. Pelos estados por onde ando, dizem que não funcionou, que deu errado, que descontinuaram, mandando embora essa equipe, em alguns lugares apelidada de motoboi, uma referências aos motoboys das cidades e ao fato de usarem motocicletas. Nada sobre isso foi falado na reunião com os investidores, nem nos comunicados e matérias na imprensa recente.

Um dos pilares da empresa é o uso de administração nos moldes da Ambev ou do consultor Vicente Falconi. Ou seja, medição completa dos indicadores de desempenho, análise criteriosa dos números e plano de ação em cima dessa análise. Por ter plantas e operações em diversos lugares, usa uma técnica chamada benchmarking, que é a comparação de resultados de diferentes lugares em cada uma das métricas, para ver onde se tem mais eficiência e buscar rapidamente a adoção de melhores práticas em cada um desses indicadores, usando e espalhando o conhecimento dentro da empresa de como fazer melhor, mais barato e mais rápido. Isso faz todo sentido e é uma das grandes vantagens de uma grande empresa. Podem usar o que há de melhor dentro da operação. E ninguém de uma determinada planta vai dizer que é impossível chegar naquele número se existe um exemplo real dentro da própria empresa. Num formato como esse de gestão, as reuniões são objetivas e muito focadas em números. Por outro lado, produtores reclamam de desorganização, e reportam problemas como cancelamento de embarque sem aviso prévio.

O que surpreende é que a reunião com investidores teve um formato bem diferente desse que era o mais provável. Se falou muito pouco dos números operacionais da empresa e de como ela está fazendo para obter resultado. Fiquei com a impressão que se falou muito mais das oportunidades externas a empresa, como o crescimento do mercado mundial (fatores muito positivos e promissores para a empresa), mas pouco se falou sobre como a empresa vai buscar efetivamente esses resultados dentro da operação. A apresentação e as falas dos executivos tinham mais adjetivos do que números específicos e objetivos, como eu esperava ver numa empresa focada em benchmarking.

Por exemplo, só falaram em números da ociosidade das plantas no Brasil (25%) e nos EUA (5%) quando perguntei sobre isso. Já tinham falado sobre o tema na apresentação, mas sem dar números precisos.

No ano passado, o JBS teve um prejuízo de mais de R$ 200 milhões, penalizado pela multa que teve de pagar ao BNDES por não fazer o IPO nos EUA em 2010. Eles afirmaram que em 2011 não terão uma série de despesas não recorrentes que tiveram em 2010. Eu fiquei com vontade de ouvir mais sobre o que a empresa vai fazer de diferente esse ano.

Me lembrei de um perfil que li certa vez do ex-ministro Pratini de Moraes, que hoje trabalha no JBS, de que ele não gostava de ler relatórios que tivessem adjetivos demais, era um indicativo de que o material não tinha consistência e dados suficientes.

No livro "Doing what matters", que recebeu elogios e endosso de Jack Welch e Warren Buffet, o autor, que foi CEO da Gilette, detalha como se relacionava com analistas e com investidores. Treinava e revisava muito suas apresentações. Durante um período de retomada, optou por não publicar projeções futuras de resultados (como o JBS tem feito atualmente), mas sempre oferecia detalhes de como seria feito e esmiuçava os dados passados para mostrar o que e como estavam fazendo.

Outro ponto interessante, que não dá para deixar de notar numa empresa que fatura mais de R$ 50 bilhões é a tentativa de passar uma imagem simples e caipira dos principais executivos. Me parece mais uma escolha pró-ativa em se mostrar simples e rural, do que uma fragilidade. Lembra um pouco o estilo "Lula" de falar sempre a língua do povo para se aproximar mais do público.

No final do evento, também afirmaram que no Brasil a oferta de gado vai voltar a crescer, já em 2011, o que vai tranquilizar o fornecimento de gado para abate. É possível (apesar de improvável) que isso aconteça, e acho temeroso basear a estratégia nessa premissa. Ainda há muito a acontecer antes de se afirmar que teremos uma retomada da oferta de gado para abate, graças ao maior confinamento e mudança do ciclo pecuário.

Minha avaliação é que mesmo com uma ótima perspectiva de mercado futuro e também uma estratégia de longo prazo que faz sentido, a gestão atual não tem conseguido mostrar como vão transformar em realidade essas oportunidades. Isso tem influenciado no valor das ações. Hoje o valor de mercado do JBS está abaixo do valor de abril/2007. De lá para cá, a empresa cresceu muito, fez inúmeras aquisições. Ou seja, cresceu em tamanho, mas o mercado acha que vale menos do que valia em 2007.

http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/editorial/analisando-o-jbs-day-com -investidores-71371n.aspx

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