Ibovespa perde no ano o equivalente a quatro bancos e três siderúrgicas

|


Do Jornal Valor Econômico -05/10/2011

Por Luciana Monteiro e Beatriz Cutait | De São Paulo
A crise que vem abalando os mercados mundo afora já deixa um rastro de destruição de R$ 382 bilhões no valor das principais empresas brasileiras negociadas em bolsa este ano. Isso é o que o Índice Bovespa, principal indicador da bolsa brasileira, perdeu em valor de mercado apenas nos nove primeiros meses de 2011. É como se os quatro maiores bancos do país e três gigantes de siderurgia juntos tivessem deixado de existir. E não estão nesses números as quedas desta semana, de 3,13% apenas nos dois primeiros dias de outubro.
A perda no valor de mercado do Ibovespa já supera, inclusive, a queda registrada no mesmo período de 2008, quando eclodiu a maior crise internacional desde 1929 após a quebra do banco Lehman Brothers no dia 15 de setembro daquele ano. Na ocasião, a perda anual no valor de mercado do índice somava R$ 347,824 bilhões.
O valor de mercado - também chamado de capitalização bursátil - é a soma dos valores de todas as ações que uma empresa possui atualizados pela última cotação. A soma dos valores de mercado de Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Gerdau, CSN e Usiminas era de R$ 393,968 bilhões na segunda-feira.
O pior é que o pessimismo está longe de terminar, pelo menos no curto prazo. Relatório do Bank of America Merrill Lynch divulgado anteontem traz uma pesquisa mostrando que os estrategistas do mercado estão aumentando suas apostas na queda das ações. O indicador de venda elaborado pela instituição caiu 0,6 ponto em setembro e atingiu o menor nível desde novembro de 2009, de 56,9%.
Muitos economistas acreditam, inclusive, que a atual crise é pior que a de 2008, já que naquele momento os governos não se mostravam tão endividados e dispunham, portanto, de mais instrumentos para lidar com os problemas. Mas essa não é uma opinião compartilhada por todos. "A situação em 2008 era muito mais perigosa, pois naquele momento o temor era de ruptura do sistema econômico, com o congelamento dos canais de crédito e medo de um efeito cascata", lembra Francisco Costa, sócio da Capital Investimentos. "Agora, o temor recai sobre os países periféricos da Europa e o mercado está colocando no preço um cenário mais de estagnação, de Europa e Estados Unidos patinando, do que de ruptura."
Ainda que a forte queda em valor de mercado do Ibovespa neste ano supere a do mesmo período de 2008, o quadro atual é diferente do traçado naquele momento, avalia José Francisco Cataldo, estrategista de varejo da Ágora e da Bradesco Corretora. "A crise de 2008 foi mais rápida e profunda, com o enxugamento de liquidez, e o quadro atual é de crise, mas ela ainda não é sistêmica e deve acontecer de maneira mais gradual", diz.
Não que o problema de solvência da Grécia não seja grave, como mostraram as declarações do governo grego no domingo, informando que não conseguirá atingir as metas de déficit fiscal tanto neste ano quanto no próximo. Ontem, o ministro das Finanças do país, Evangelos Venizelos, afirmou que a Grécia tem recursos para continuar operando até meados de novembro.
Como se não bastassem as notícias ruins, as preocupações com a exposição do setor bancário europeu à dívida grega aumentaram. Problemas de liquidez e dificuldade de financiamento podem levar a uma nova ajuda financeira ao banco franco-belga Dexia. Em discussão está uma possível fragmentação das operações em dificuldades, criando um "banco ruim", com os ativos problemáticos. A instituição tem forte exposição a títulos gregos.
A percepção hoje, no entanto, é que, diferentemente do que ocorreu com o Lehman Brothers, os países não deixarão o sistema financeiro ruir, já que isso pode provocar uma reação em cadeia, afirma Costa, da Capital. Portanto, o executivo avalia que o momento é de oportunidade para os investidores. "Comprar bolsa hoje equivale a comprar em 2008, e o mercado cresceu e os riscos não são os mesmos dos presentes naquela época", afirma. Pelos cálculos dele, a relação Preço/Lucro - P/L, indicador que dá uma ideia do prazo para o investidor obter retorno com um ativo - do Ibovespa hoje é de 7,5 vezes, mesma relação registrada durante o auge da crise de 2008.
Não há, porém, sinais de melhora e é bem possível até que a bolsa ainda caia mais, alerta Costa. "Mas para quem não precisa do dinheiro agora e tem realmente visão de longo prazo, de três a cinco anos, é um bom momento para adquirir ações mais baratas de boas empresas", afirma ele, citando os setores ligados ao mercado doméstico e o financeiro. "A economia está se desacelerando, mas não de forma profunda, e o crédito e a renda continuam crescendo", diz. "São dois setores que devem, portanto, sofrer menos em termos de resultados."
A desaceleração chinesa e americana também devem continuar a despertar apreensão nos mercados. No Brasil, é a condução da política monetária do Banco Central que está em xeque, diante da preocupação com a combinação de juro mais baixos e inflação elevada. Analistas, contudo, ponderam que o momento ainda não é de pânico.
As incertezas com a cena externa devem continuar a pautar os negócios e estimular a volatilidade dos mercados nos próximos meses. Por aqui, o foco ainda estará nos reflexos da desaceleração em curso sobre os resultados corporativos, que já devem aparecer nos balanços do terceiro trimestre. Ainda assim, a bolsa está atrativa em termos de preços. Cálculos do BTG Pactual mostram que, pelo critério Preço/Lucro (P/L, que dá uma indicação do prazo para o investidor reaver a aplicação) em 12 meses, o Ibovespa está sendo negociado a um múltiplo de 8,5 vezes, bem abaixo do apresentado pelo índice americano S&P 500 (12,6 vezes) e dos pares de mercados emergentes (9,1 vezes).

Analisando o JBS Day com investidores

|

Por Miguel da Rocha Cavalcanti, BeefPoint



Participei há alguns dias de um evento do JBS de relacionamento com investidores em São Paulo, SP. A empresa reuniu numa manhã seus principais diretores, de unidades de todo o mundo, para apresentar sua estratégia, números e responder a perguntas dos presentes. Todo o alto escalão da empresa no mundo estava presente e isso impressiona positivamente. Apresento aqui minha análise do que ouvi e minhas percepções sobre o mercado e a empresa.

O cenário mundial de longo prazo para o JBS é excelente. O mundo vai comer mais e mais carnes: bovina, suína, de aves e inclusive carne ovina. O crescimento da população, da renda per capita e percentual da população que vive nas cidades são três fortes direcionadores de demanda para os próximos anos. Isso não há dúvida. Já sendo a maior empresa do mundo de carnes, há um potencial muito grande a ser explorado.

A estratégia da empresa de longo prazo também faz muito sentido. Operação com escala global num mercado de margens apertadas é muito interessante. O fato do JBS ter hoje produção de carnes nos principais países produtores e ter estrutura de venda e distribuição nos principais mercados consumidores é uma força muito grande. Integrar tudo isso tem um grande potencial de receita e lucros.

A pirâmide da estratégia que apresentam em todas as reuniões há vários anos faz muito sentido para mim: operação enxuta, ganhos de produtividade e escala, plataforma global de produção, plataforma global de vendas e distribuição. E no futuro marcas e produtos de maior valor agregado.

Além disso, em muitos aspectos, a empresa é uma grande vencedora no mercado de carnes. Foi a primeira a se profissionalizar, organizando seus números e se preparando para receber investimentos e abrir capital. Acertou no tempo, e isso ajudou muito. Outras empresas que fizeram processo idêntico, mas demoraram um pouco mais, perderam uma janela de oportunidade do mercado que dificilmente voltará. A empresa cresceu e muito, e ocupou um espaço vazio, e que é difícil de ser desbancado.

Outro fator interessante do JBS é que ele se tornou uma espécie de Geni (da famosa música de Chico Buarque) do setor. Por ser um gigante e com passos controversos muitas vezes, chama muita atenção, atrai críticas de todos os lados e coleciona uma série de inimigos (ou pelo menos de implicantes). É fácil se colocar hoje como um "inimigo" do JBS. É apontado como causador de problemas ambientais e sociais (como a recente acusação no estado do Acre), como causa (indireta) dos problemas financeiros dos pequenos e médios frigoríficos. E a lista por aí vai.

Coloco isso pois é importante entender que a questão é também emocional e não apenas técnica/racional em muitos momentos. Tem muita gente que por princípio é contra e já a considera culpada. Ler os comentários aqui no BeefPoint sobre a empresa é um exercício interessante desse processo. Há comentários e críticas embasadas, no meio de um grande número de comentários apaixonados. Essa relação emocionada dificulta uma análise crítica e inteligente.

Fora essa questão de relacionamento, qual minha visão da situação atual do JBS?

O JBS foca muito pouco, hoje, em carnes de alta qualidade e com marca aqui no Brasil. Esse é um mercado crescente e a empresa tem uma experiência muito grande com isso nos EUA. Outro ponto fraco é o relacionamento com pecuaristas. Conheço bons pecuaristas que não gostam de vender para o JBS, consideram a empresa difícil ou ruim de se negociar. Há gente que fala que só vende para a empresa por falta de opção ou para minimizar riscos, mas comenta que os melhores lotes não vão para lá. Vendem, mas não a cabeceira. Esses dois fatores (carne de qualidade e relacionamento com fornecedores) serão fundamentais daqui em diante, visto que o mercado de produtos premium cresce e que é fundamental ter um ótimo relacionamento com os melhores pecuaristas para comprar gado bom num mercado enxuto. Parece que em muitos casos, a opção é focar na produção de gado próprio, via confinamentos, e dedicar menos atenção a cultivar o interesse dos pecuaristas.

A empresa também não fala muito sobre o que não dá muito certo. No ano passado lançou um projeto inovador e ousado de venda de carne porta-a-porta usando vans. A ideia era potencialmente interessante pois há uma margem muito grande entre o preço que o frigorífico vende no atacado e o preço que o consumidor final paga. Era muito arriscada pois batia de frente com o grande varejo e também com o pequeno varejo e açougue, ou seja, de fornecedor de carne aos açougues, estava se tornando um concorrente. Eram 400 em operação no ano passado, segundo declaração da empresa no workshop BeefPoint sobre mercado que fizemos em maio/2010.

Na seção de perguntas do JBS Day, indaguei sobre como estavam as vans, que ninguém mais falava nelas. A resposta foi um pouco vaga, dizendo que estão reformulando o conceito e que vão vender produtos mais elaborados, de maior valor. O recado que ficou para mim, e acho que para os demais, é que não deu certo e foi descontinuado, mas sem grandes explicações. A falta de explicações quando as coisas não saem como esperado e divulgado, diminui a confiança do mercado.

Outro projeto inovador e ousado foi a mudança da equipe de compradores de gado para abate. Tradicionalmente os frigoríficos têm alguns poucos compradores em cada planta, que recebem salários altos e que têm um ótimo relacionamento com produtores da região. Ou seja, um sistema bem antigo, com os negócios nas mãos de pouca gente. O JBS optou por fazer um troca arriscada nessa ponta da operação. Contratou um grande número de funcionários juniores ou com pouca experiência para fazer esse trabalho que era concentrado na mão de poucos e tradicionais compradores.

A ideia era que esse novo "exército" de compradores iria comprar de muitos pequenos produtores, com preços muito mais baixo que dos grandes, além de fazer negócios intermediados pelo Banco JBS, como financiamento, venda de insumos, etc. Tudo indica que esse projeto não está dando certo. Pelos estados por onde ando, dizem que não funcionou, que deu errado, que descontinuaram, mandando embora essa equipe, em alguns lugares apelidada de motoboi, uma referências aos motoboys das cidades e ao fato de usarem motocicletas. Nada sobre isso foi falado na reunião com os investidores, nem nos comunicados e matérias na imprensa recente.

Um dos pilares da empresa é o uso de administração nos moldes da Ambev ou do consultor Vicente Falconi. Ou seja, medição completa dos indicadores de desempenho, análise criteriosa dos números e plano de ação em cima dessa análise. Por ter plantas e operações em diversos lugares, usa uma técnica chamada benchmarking, que é a comparação de resultados de diferentes lugares em cada uma das métricas, para ver onde se tem mais eficiência e buscar rapidamente a adoção de melhores práticas em cada um desses indicadores, usando e espalhando o conhecimento dentro da empresa de como fazer melhor, mais barato e mais rápido. Isso faz todo sentido e é uma das grandes vantagens de uma grande empresa. Podem usar o que há de melhor dentro da operação. E ninguém de uma determinada planta vai dizer que é impossível chegar naquele número se existe um exemplo real dentro da própria empresa. Num formato como esse de gestão, as reuniões são objetivas e muito focadas em números. Por outro lado, produtores reclamam de desorganização, e reportam problemas como cancelamento de embarque sem aviso prévio.

O que surpreende é que a reunião com investidores teve um formato bem diferente desse que era o mais provável. Se falou muito pouco dos números operacionais da empresa e de como ela está fazendo para obter resultado. Fiquei com a impressão que se falou muito mais das oportunidades externas a empresa, como o crescimento do mercado mundial (fatores muito positivos e promissores para a empresa), mas pouco se falou sobre como a empresa vai buscar efetivamente esses resultados dentro da operação. A apresentação e as falas dos executivos tinham mais adjetivos do que números específicos e objetivos, como eu esperava ver numa empresa focada em benchmarking.

Por exemplo, só falaram em números da ociosidade das plantas no Brasil (25%) e nos EUA (5%) quando perguntei sobre isso. Já tinham falado sobre o tema na apresentação, mas sem dar números precisos.

No ano passado, o JBS teve um prejuízo de mais de R$ 200 milhões, penalizado pela multa que teve de pagar ao BNDES por não fazer o IPO nos EUA em 2010. Eles afirmaram que em 2011 não terão uma série de despesas não recorrentes que tiveram em 2010. Eu fiquei com vontade de ouvir mais sobre o que a empresa vai fazer de diferente esse ano.

Me lembrei de um perfil que li certa vez do ex-ministro Pratini de Moraes, que hoje trabalha no JBS, de que ele não gostava de ler relatórios que tivessem adjetivos demais, era um indicativo de que o material não tinha consistência e dados suficientes.

No livro "Doing what matters", que recebeu elogios e endosso de Jack Welch e Warren Buffet, o autor, que foi CEO da Gilette, detalha como se relacionava com analistas e com investidores. Treinava e revisava muito suas apresentações. Durante um período de retomada, optou por não publicar projeções futuras de resultados (como o JBS tem feito atualmente), mas sempre oferecia detalhes de como seria feito e esmiuçava os dados passados para mostrar o que e como estavam fazendo.

Outro ponto interessante, que não dá para deixar de notar numa empresa que fatura mais de R$ 50 bilhões é a tentativa de passar uma imagem simples e caipira dos principais executivos. Me parece mais uma escolha pró-ativa em se mostrar simples e rural, do que uma fragilidade. Lembra um pouco o estilo "Lula" de falar sempre a língua do povo para se aproximar mais do público.

No final do evento, também afirmaram que no Brasil a oferta de gado vai voltar a crescer, já em 2011, o que vai tranquilizar o fornecimento de gado para abate. É possível (apesar de improvável) que isso aconteça, e acho temeroso basear a estratégia nessa premissa. Ainda há muito a acontecer antes de se afirmar que teremos uma retomada da oferta de gado para abate, graças ao maior confinamento e mudança do ciclo pecuário.

Minha avaliação é que mesmo com uma ótima perspectiva de mercado futuro e também uma estratégia de longo prazo que faz sentido, a gestão atual não tem conseguido mostrar como vão transformar em realidade essas oportunidades. Isso tem influenciado no valor das ações. Hoje o valor de mercado do JBS está abaixo do valor de abril/2007. De lá para cá, a empresa cresceu muito, fez inúmeras aquisições. Ou seja, cresceu em tamanho, mas o mercado acha que vale menos do que valia em 2007.

http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/editorial/analisando-o-jbs-day-com -investidores-71371n.aspx

Business humor

|




Friboi para o abate.

|


Parafrasiando FHC: "esqueçam o que já escrevi sobre a JBS Friboi".

Na cotação de 5,80 temos um P/L superior a 40. Se compararmos com outras empresas no setor de alimento e até na área de produção de proteína animal no mundo (ver economática) a empresa esta caríssima.

O P/VP não vale muito quando temos o passivo exigível da empresa com o mesmo valor do PL... Ai filho, me desculpe mas é análise simples de investimento.

O valor pago pelas incorporadas no exterior foram altas, pagando prêmios de até 40% sobre o preço de ação ou sobre a cota de valuation da empresa... desespero de crescer sem planejamento.

O ROE e ROIC da empresa estão no patamar de ridículo estando dentre os menores nas empresa de produção de alimento. Confirma-se pelo EBIT/ativo. Ahh, o ROIC (retorno sobre capital investido) saiu de patamares de 34% em 2007 a menos de 5% em 2010.

A empresa tem um giro de 0,6... O que demonstra a ineficiência da empresa no setor de venda (Desejável é superior a 10% na área de alimentos (ver relatório setorial)

Quanto a análise técnica, acho que no caso da friboi nem vale a pena considerando a concentração dos majoritários e manipulação dos players em questão.

Compra da Anheuser-Busch pela Inbev: roteiro de filme!

|


Ao ler o artigo abaixo publicado pelo Valor Econômico, confesso, senti-me lendo um roteiro de filme enquadrado dentro da família de "Wall Street" ou outra apologia ao capitalismo americano. Nesse caso, a famigerada fome de aquisição das corporações estadudinense veio as avessas. Foram nossos capitalistas - leia-se os brazucas - que deram um show na saga para adquirir a Anheuser-Busch (uma das maiores companhias cervejeiras, símbolo americano). Vale a pena a leitura.

_________________


Takeover:
A facilidade de compra da Anheuser-Busch pela Inbev explicada por dentro de um jogo familiar.

Oferta hostil encontra o aliado mais que perfeito


Por Alex Ribeiro, de Washington (Para o Jornal Valor Econômico)
04/01/2011

Dethroning the King - The Hostil Takeover of Anheuser-Busch, an American Icon"

Julie MacIntosh. Wiley. 408 págs., US$ 27,95

Quando os brasileiros da InBev fizeram uma oferta hostil para comprar a cervejaria Anheuser-Busch, em 2008, o que estava em jogo era mais do que o maior mercado consumidor da bebida no mundo. A cerveja é um desses produtos que despertam orgulhos nacionalistas. A Sapporo é um ícone no Japão, assim como a Guinness na Irlanda ou a Corona no México. Para muitos americanos, a venda da companhia representou uma derrota dos Estados Unidos para um inimigo estrangeiro, uma espécie de síntese das mazelas do mundo corporativo que levaram à atual crise econômica.

"A Budweiser são os Estados Unidos numa garrafa", custumava dizer o presidente da AB InBev, o brasileiro Carlos Britto, quando apenas cobiçava o controle da principal marca da Anheuser-Busch. "Não temos uma placa de 'vende-se' na porta dos Estados Unidos", reagiu a senadora Claire McCaskill, do Misssouri, onde a Anheuser-Busch está sediada, logo depois de Britto explicar pessoalmente as suas intenções de comprar a empresa.

De forma surpreendente, a Anheuser-Busch sucumbiu sem muita resistência. Até agora, creditava-se o suave desfecho apenas à habilidade com que a companhia belgo-brasileira conduziu a operação, após meses de meticuloso planejamento. Pesquisas de opinião levaram a InBev a divulgar, junto com a oferta hostil, uma carta de afago ao povo de St. Louis, assumindo o compromisso de manter a sede americana da empresa na cidade. Um herdeiro importante do clã dos Busch pulou para o lado da InBev, que deu um chamado abraço de urso, oferecendo um bom preço pelo controle. Numa tática de guerra psicológica, os brasileiros ameaçaram remover na Justiça todos os membros do conselho de administração da Anheuser-Busch.

Um livro que acaba de ser publicado nos Estados Unidos, ainda sem previsão de tradução para o português, conta um outro lado da história. Em "Dethroning the King - The Hostile Takeover of Anheuser-Busch, an American Icon", a jornalista Julie MacIntosh, que cobriu a operação pelo "Financial Times", revela que a InBev teve ajuda de dentro da Anheuser-Busch. Pelo que tudo indica, o poderoso August Busch III decidiu que venderia a empresa que ele próprio tornou uma gigante. Nas semanas seguintes, apenas ensaiou alguma resistência, estimulando negociações para uma fusão com a cervejaria mexicana Modelo, com o propósito único de forçar o aumento da oferta da InBev de US$ 65 para US$ 70 por ação.

Os brasileiros da InBev e a família Busch não eram completamente estranhos entre si. Em 1991, os donos da Brahma, Marcel Telles, Carlos Alberto Sucupira e Jorge Paulo Lemann, propuseram uma fusão para criar o que eles chamaram de uma Coca-Cola do mundo das cervejas. Nela, a Anheuser-Busch tomaria conta dos Estados Unidos, enquanto o trio de banqueiros de investimento do Garantia cuidaria das operações internacionais. Busch III viu excesso de audácia na proposta dos brasileiros e decidiu rejeitá-la.

Alguns anos depois, em 1994, a Anheuser-Busch estava à procura de um parceiro para distribuir a Budweiser no Brasil. As negociações com a Brahma foram muito duras, e no fim os americanos acabaram comprando uma participação minoritária na Antarctica. Eles pularam fora do negócio, porém, alguns anos depois, quando a Brahma foi adquirida pela Antarctica, numa operação que Busch III acreditava que seria rejeitada pelos órgãos brasileiros de defesa da concorrência. A falta de ambições internacionais é apontada como uma das causas que levaram a Anheuser-Busch a se tornar presa de uma oferta hostil. A companhia perdeu a chance, por exemplo, de juntar esforços com a sul-africana SAB Miller, depois de exaustivas negociações.

O livro conta uma trágica história familiar. Busch III, quarta geração da família que adquiriu e deu seu sobrenome para uma cervejaria fundada em 1852 em St. Louis, assumiu a presidência da companhia depois de fazer manobras para tomar o lugar do próprio pai. Ele fez com que a fatia da Anheuser-Busch no mercado de cervejas saltasse de 28% para 52% entre 1977 e 2002, investindo na qualidade dos produtos e, principalmente, em marketing, com comerciais que ganharam os principais prêmios da propaganda americana.

Entre os banqueiros de investimento que assessoraram a Anheuser-Busch, Busch III tinha o apelido de "Crazy" (louco), por seu excesso de exigência, detalhismo e crueldade com que tratava os principais assessores. Não poupava nem mesmo o filho e sucessor, Busch IV, conhecido como "Lazy" (preguiçoso), que presidiu a companhia debaixo da desconfiança e sabotagens do pai.

A Anheuser-Busch representa um pouco das mazelas que fizeram o capitalismo americano afundar na atual crise. Com posição dominante no mercado e margens gordas, a empresa não tinha muitas preocupações em cortar custos. Mantinha uma frota particular de jatos para uso de seus executivos, conhecida como "Air Bud", gastava bastante em filantropia em St. Louis e distribuia cerveja grátis para os funcionários. Uma empresa com muito caixa e gordura é uma presa fácil, pois cria condições propícias para levantar empréstimos bancários para bancar a aquisição. Não ajudava muito o fato de que a família Busch, naquele momento, tinha apenas 4% da companhia.

Quando o controle da Anheuser-Busch sucumbiu às mãos brasileiras, Britto viajou para St. Louis e rapidamente implantou um estilo espartano. As divisórias entre os escritórios foram derrubadas, os executivos trocaram os ternos por calças jeans, houve demissões em massa e acabou a distribuição de cerveja grátis. "Não preciso de cerveja grátis", explicou Britto, segundo relato do livro. "Posso comprar minha própria cerveja."


 

©2009 Ondas Financeiras | Template Blue by TNB