Compra da Anheuser-Busch pela Inbev: roteiro de filme!

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Ao ler o artigo abaixo publicado pelo Valor Econômico, confesso, senti-me lendo um roteiro de filme enquadrado dentro da família de "Wall Street" ou outra apologia ao capitalismo americano. Nesse caso, a famigerada fome de aquisição das corporações estadudinense veio as avessas. Foram nossos capitalistas - leia-se os brazucas - que deram um show na saga para adquirir a Anheuser-Busch (uma das maiores companhias cervejeiras, símbolo americano). Vale a pena a leitura.

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Takeover:
A facilidade de compra da Anheuser-Busch pela Inbev explicada por dentro de um jogo familiar.

Oferta hostil encontra o aliado mais que perfeito


Por Alex Ribeiro, de Washington (Para o Jornal Valor Econômico)
04/01/2011

Dethroning the King - The Hostil Takeover of Anheuser-Busch, an American Icon"

Julie MacIntosh. Wiley. 408 págs., US$ 27,95

Quando os brasileiros da InBev fizeram uma oferta hostil para comprar a cervejaria Anheuser-Busch, em 2008, o que estava em jogo era mais do que o maior mercado consumidor da bebida no mundo. A cerveja é um desses produtos que despertam orgulhos nacionalistas. A Sapporo é um ícone no Japão, assim como a Guinness na Irlanda ou a Corona no México. Para muitos americanos, a venda da companhia representou uma derrota dos Estados Unidos para um inimigo estrangeiro, uma espécie de síntese das mazelas do mundo corporativo que levaram à atual crise econômica.

"A Budweiser são os Estados Unidos numa garrafa", custumava dizer o presidente da AB InBev, o brasileiro Carlos Britto, quando apenas cobiçava o controle da principal marca da Anheuser-Busch. "Não temos uma placa de 'vende-se' na porta dos Estados Unidos", reagiu a senadora Claire McCaskill, do Misssouri, onde a Anheuser-Busch está sediada, logo depois de Britto explicar pessoalmente as suas intenções de comprar a empresa.

De forma surpreendente, a Anheuser-Busch sucumbiu sem muita resistência. Até agora, creditava-se o suave desfecho apenas à habilidade com que a companhia belgo-brasileira conduziu a operação, após meses de meticuloso planejamento. Pesquisas de opinião levaram a InBev a divulgar, junto com a oferta hostil, uma carta de afago ao povo de St. Louis, assumindo o compromisso de manter a sede americana da empresa na cidade. Um herdeiro importante do clã dos Busch pulou para o lado da InBev, que deu um chamado abraço de urso, oferecendo um bom preço pelo controle. Numa tática de guerra psicológica, os brasileiros ameaçaram remover na Justiça todos os membros do conselho de administração da Anheuser-Busch.

Um livro que acaba de ser publicado nos Estados Unidos, ainda sem previsão de tradução para o português, conta um outro lado da história. Em "Dethroning the King - The Hostile Takeover of Anheuser-Busch, an American Icon", a jornalista Julie MacIntosh, que cobriu a operação pelo "Financial Times", revela que a InBev teve ajuda de dentro da Anheuser-Busch. Pelo que tudo indica, o poderoso August Busch III decidiu que venderia a empresa que ele próprio tornou uma gigante. Nas semanas seguintes, apenas ensaiou alguma resistência, estimulando negociações para uma fusão com a cervejaria mexicana Modelo, com o propósito único de forçar o aumento da oferta da InBev de US$ 65 para US$ 70 por ação.

Os brasileiros da InBev e a família Busch não eram completamente estranhos entre si. Em 1991, os donos da Brahma, Marcel Telles, Carlos Alberto Sucupira e Jorge Paulo Lemann, propuseram uma fusão para criar o que eles chamaram de uma Coca-Cola do mundo das cervejas. Nela, a Anheuser-Busch tomaria conta dos Estados Unidos, enquanto o trio de banqueiros de investimento do Garantia cuidaria das operações internacionais. Busch III viu excesso de audácia na proposta dos brasileiros e decidiu rejeitá-la.

Alguns anos depois, em 1994, a Anheuser-Busch estava à procura de um parceiro para distribuir a Budweiser no Brasil. As negociações com a Brahma foram muito duras, e no fim os americanos acabaram comprando uma participação minoritária na Antarctica. Eles pularam fora do negócio, porém, alguns anos depois, quando a Brahma foi adquirida pela Antarctica, numa operação que Busch III acreditava que seria rejeitada pelos órgãos brasileiros de defesa da concorrência. A falta de ambições internacionais é apontada como uma das causas que levaram a Anheuser-Busch a se tornar presa de uma oferta hostil. A companhia perdeu a chance, por exemplo, de juntar esforços com a sul-africana SAB Miller, depois de exaustivas negociações.

O livro conta uma trágica história familiar. Busch III, quarta geração da família que adquiriu e deu seu sobrenome para uma cervejaria fundada em 1852 em St. Louis, assumiu a presidência da companhia depois de fazer manobras para tomar o lugar do próprio pai. Ele fez com que a fatia da Anheuser-Busch no mercado de cervejas saltasse de 28% para 52% entre 1977 e 2002, investindo na qualidade dos produtos e, principalmente, em marketing, com comerciais que ganharam os principais prêmios da propaganda americana.

Entre os banqueiros de investimento que assessoraram a Anheuser-Busch, Busch III tinha o apelido de "Crazy" (louco), por seu excesso de exigência, detalhismo e crueldade com que tratava os principais assessores. Não poupava nem mesmo o filho e sucessor, Busch IV, conhecido como "Lazy" (preguiçoso), que presidiu a companhia debaixo da desconfiança e sabotagens do pai.

A Anheuser-Busch representa um pouco das mazelas que fizeram o capitalismo americano afundar na atual crise. Com posição dominante no mercado e margens gordas, a empresa não tinha muitas preocupações em cortar custos. Mantinha uma frota particular de jatos para uso de seus executivos, conhecida como "Air Bud", gastava bastante em filantropia em St. Louis e distribuia cerveja grátis para os funcionários. Uma empresa com muito caixa e gordura é uma presa fácil, pois cria condições propícias para levantar empréstimos bancários para bancar a aquisição. Não ajudava muito o fato de que a família Busch, naquele momento, tinha apenas 4% da companhia.

Quando o controle da Anheuser-Busch sucumbiu às mãos brasileiras, Britto viajou para St. Louis e rapidamente implantou um estilo espartano. As divisórias entre os escritórios foram derrubadas, os executivos trocaram os ternos por calças jeans, houve demissões em massa e acabou a distribuição de cerveja grátis. "Não preciso de cerveja grátis", explicou Britto, segundo relato do livro. "Posso comprar minha própria cerveja."


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