Mercado irracional

|



Os ativos corrigidos a preços além do razoável e as bolhas, uma a uma, estouradas: a imobiliária nos Estados Unidos, a das commodities e, por tabela, a dos emergentes. Será que o mundo acabou para a renda variável? Tudo ficou mais difícil, sim, mas depois de perder os 50 mil pontos e retornar ao pior nível desde 16 de agosto de 2007, com 48.435 pontos, o Ibovespa começa a exibir histórias de crescimento mais realistas, segundo os analistas. A avaliação é de que, numa janela de 12 a 24 meses, a bolsa brasileira vai proporcionar ganhos acima da renda fixa, mas com muitas intempéries. O socorro do Tesouro americano às companhias Fannie Mae e Freddie Mac, longe de ser a solução para a crise originada nas hipotecas de alto risco, é apenas uma ponte para que o próximo presidente dos EUA encaminhe algo mais definitivo, que estenda, por exemplo, a ajuda aos mutuários, diz Luís Fernando Lopes, do Pátria Investimentos. Até lá, a Bovespa e o mercado brasileiro em geral vão depurar cinco anos em que o script era a bolsa subir, os juros caírem e o real se valorizar em relação ao dólar. "É hora de ver o mundo como ele é, não um lugar terrível como nos negros dias de 2001 e 2002, mas onde os preços das commodities não explodem todo ano e que a bolsa não dá sempre um retorno superior a 40%." Para ele, as matérias-primas, que subiam a um ritmo de 28% ao ano nos últimos cinco anos, vêm se ajustando a um novo nível de expansão global, mas o ciclo de alta não se esgotou. Com a percepção de que a economia global andará em ritmo menor, essa bolha começa a desinflar. "Parte do crescimento é real, puxado pelos emergentes, a Ásia notadamente, mas o problema é a quê velocidade os preços vão subir, talvez um aumento entre 7% e 9% ao ano."
Lopes lembra que a bolsa brasileira, dominada por grandes produtoras de commodities, reflete pouco o peso do consumo das famílias no PIB brasileiro, de 61%. Na média, as empresas locais têm contornado a inflação e elevado margens, o que quer dizer que há oportunidades, tendo os grandes bancos como exemplo. Ele sugere também que o investidor prossiga privilegiando liquidez. Nos últimos dias, aumentou a intensidade de migração de emergentes para ativos dolarizados, um claro sinal de que o risco sistêmico subiu, diz o chefe da área de Renda Variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira. A queda de mais de 40% das ações do Lehman Brothers em Nova York ontem mostra que que o mercado pode estar testando o fôlego das autoridades americanas para salvar o setor financeiro. "Ficou a sensação de que o custo dessa crise para o governo será maior do que se imaginava e que os EUA vão crescer menos." Nesse cenário, 2008 já pode ser considerado um ano perdido para a bolsa. Se o mundo não cair numa recessão, só no segundo semestre de 2009 é que ele vislumbra melhora. No nível em que os preços das ações estão, Sá Pereira diz que, sob a ótica de longo prazo, ele não é mais vendedor e começa a querer fazer aquisições. Espera somente um evento catalisador. Na reversão, acredita que setores como siderurgia, petróleo e mineração é que sairão na frente. O comportamento do mercado ontem contrariou todos os fundamentos, com investidores estrangeiros procurando sair de commodities porque acham que o mundo vai entrar em recessão e as matérias-primas vão desabar, resume Walter Mendes, responsável pela área de renda variável do Banco Itaú. "Ontem, todos os parâmetros dos analistas para avaliar o mercado foram por água abaixo", diz.
Nesse ambiente, lembra Mendes, não importa que as empresas brasileiras continuem ganhando dinheiro mesmo depois da queda das commodities ou que suas ações já tenham caído bastante, atingindo uma relação Preço/Lucro (indicador de tempo de retorno do investimento) baixa, em torno de 9,5 vezes. Basta olhar o período de maio para cá, depois de o mercado atingir seu pico, onde o índice de commodities CRB Reuters cai 11,82%, enquanto o Ibovespa perdeu 28,63%. Parte desse descolamento reflete o peso da ação preferencial (PN, sem voto) da Petrobras no índice, que caiu no período 32,82%, e da ordinária (ON, com voto) da Vale, com recuo de 43,08%. Apenas dois papéis sobem, Nossa Caixa, pelo acordo de venda para o Banco do Brasil, e Eletrobrás, pelo acordo para pagar dividendos atrasados. Há dois tipos de estrangeiros deixando o país. O primeiro, fundos hedge internacionais que sofreram fortes resgates e precisam tirar dinheiro de onde puderem e vendem a qualquer preço. O segundo, os investidores de mais longo prazo que, diante das fortes quedas, atingem seus limites de baixa ("stop loss") e são obrigados a vender. Além disso, depois da queda, surgem os relatórios de bancos que recomendam a venda de Bovespa. Segundo Mendes, nas últimas semanas, o Brasil teria saído da indicação de 2% a 3% acima da média de mercado para neutro. Ele estima que o saldo de estrangeiros na Bovespa neste ano está negativo em R$ 20 bilhões. Os números da Bovespa indicam saída de R$ 16,672 bilhões até dia 5. "Enquanto isso, o investidor local se mantém no mercado, assistindo a essa saída de estrangeiros", diz.
Mendes diz que esta pode ser a hora de comprar olhando o longo prazo. Mas é preciso ter sangue-frio, pois a irracionalidade pode continuar. Ele estima o Ibovespa em 63 mil pontos no fim do ano. A queda do Ibovespa surpreendeu até os mais conservadores, como Lika Takahashi, chefe de análise da Fator Corretora. Para ela, há um movimento técnico, de zeragem de posições por conta de perdas, mas há fatores econômicos como a recuperação do dólar e o enfraquecimento das commodities. E a queda dos papéis de matérias-primas arrasta junto os demais setores. Lika diz que o mercado oferece boas oportunidades, para quem tem visão de longo prazo. "Para quem adota o estilo Warren Buffett, de olhar cinco anos adiante, há boas perspectivas", diz.

0 comentários:

 

©2009 Ondas Financeiras | Template Blue by TNB