O lado positivo da crise para o Brasil

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Valor Econômico - 20 de outubro de 2008

É difícil encontrar alguém que consiga enxergar um lado positivo para a crise financeira atual. Pois bem, por incrível que pareça, para alguma coisa irá servir todo esse burburinho internacional, pelo menos para o mercado acionário brasileiro. O que se espera é que, gradativamente, o Índice Bovespa fique menos concentrado nas ações de commodities. Com a desaceleração da economia em termos globais, os investidores devem perder um pouco do enorme interesse que têm demonstrado pelos papéis dos segmentos de petróleo, mineração e siderurgia. Em troca, provavelmente, passarão a investir muito mais em ações de empresas voltadas ao mercado interno, mas que não têm uma correlação tão forte com o Produto Interno Bruto (PIB), como é o caso das companhias de telefonia e de energia elétrica. "Se essa crise conseguir fazer com que os índices sejam mais balanceados, no fundo, bem no fundo, ela já terá tido alguma utilidade", diz o economista-chefe da Way Investimentos e diretor do curso de relações internacionais da ESPM-RJ, Alexandre Espírito Santo. Ele lembra que entre os diversos contratempos, o fato de um índice tão importante quanto o Ibovespa ser muito concentrado acaba deixando os investidores à mercê dos acontecimentos em dois ou três setores. No caso da Bovespa a situação é ainda pior. Boa parte dos investimentos se concentra em apenas duas empresas: Petrobras e Vale. Na carteira teórica atual do Ibovespa que valerá até dezembro, as ações preferenciais (PN, sem voto) e as ordinárias (ON, com voto) da Petrobras têm peso de 18,21%, enquanto as PN série A e as ON da Vale representam 15,91%. Ou seja, as duas companhias juntas significam nada menos que 34,12%.
Essa concentração só aumentou nos últimos anos. Segundo levantamento de Espírito Santo, em dezembro em 2002, por exemplo, os papéis da Petrobras e da Vale representavam apenas 17%, portanto, a metade do que são hoje. Com o ciclo de alta das commodities nos últimos cinco anos, os investidores passaram a se interessar cada vez mais por papéis que conseguem capturar o máximo possível desse movimento macroeconômico. Os indicadores comprovam que essa euforia fazia todo sentido. O preço do minério de ferro, por exemplo, teve reajustes entre 65% a 80% este ano. Sem contar as mineradoras australianas que conseguiram aumentos de até 96%. Já o preço do barril do petróleo atingiu a máxima de US$ 145,29 também este ano. Até uns dois meses atrás, os analistas ainda estavam divididos sobre o destino das commodities. No entanto, depois do recente agravamento da crise internacional, não restam dúvidas de que a festa desses ativos está próxima do fim. E é com base nessa expectativa que Espírito Santo acredita que o reinado das ações de commodities está com os dias contados, pelo menos na magnitude que já foi. Apesar de ser difícil dizer com exatidão como serão as mudanças no Ibovespa, o professor e economista estima que a participação da Vale e da Petrobras podem cair dos atuais 34% para algo como 28% no fim de 2009. Esses seis pontos percentuais, na visão dele, devem migrar principalmente para os papéis de telefonia e energia. "Esses setores não são tão afetados pela desaceleração da economia global e ainda têm baixa correlação com o PIB brasileiro, que será afetado pela crise externa", diz Espírito Santo. Além disso, algumas das empresas desses segmentos são tradicionalmente boas pagadoras de dividendos, o que as tornam ainda mais atraentes nesse momento em que os retornos por meio da valorização das ações na bolsa parecem cada vez mais incertos. Não é à toa que os papéis das elétricas estão entre as que menos sofreram no chacoalhão que a Bovespa vem passando. "Com a alta das commodities nos últimos anos, as teles e as elétricas foram colocadas em segundo plano e agora esse cenário deve mudar", completa o professor.


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